Supremo Tribunal Federal Descriminaliza Porte de Maconha para Consumo Próprio

Definição precisa da quantidade que separa usuários de traficantes ainda está pendente, e a proclamação do resultado deverá ocorrer na sessão de 26 de junho de 2024

Em uma decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal (STF) descriminalizou o porte de maconha para consumo pessoal no dia 25 de junho de 2024. A decisão veio após anos de debate sobre a distinção entre usuários e traficantes, e visa assegurar um tratamento mais justo e igualitário na aplicação da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006).

CONTEXTO E IMPORTÂNCIA DA DECISÃO

Recurso Especial 635.659 trata da constitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006, que tipifica o porte de drogas para consumo pessoal. O dispositivo determina que:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I – advertência sobre os efeitos das drogas;

II – prestação de serviços à comunidade;

III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

§ 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

A discussão central gira em torno da compatibilidade desse dispositivo legal com os princípios constitucionais da intimidade e da vida privada, conforme estabelecidos no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal.

A discussão sobre a diferenciação entre uso pessoal e tráfico de drogas começou em 2015, quando o ministro Gilmar Mendes apresentou seu voto. Mendes argumentou que a criminalização da posse de drogas para uso pessoal viola direitos fundamentais como a privacidade e a intimidade do indivíduo, além de contrariar o princípio da lesividade. Segundo ele, apenas condutas que afetam bens jurídicos de terceiros ou coletivos devem ser consideradas crimes.

Alguns ministros sugeriram quantitativos específicos como critério para consumo pessoal. Por exemplo, até 60 gramas de maconha ou 6 plantas fêmeas poderiam ser considerados para uso próprio. Outros defendem a constitucionalidade do artigo 28, mas com a possibilidade de relativização dessa presunção por decisão fundamentada da autoridade competente.

VOTOS DOS MINISTROS

Prevaleceu no julgamento o voto de Gilmar Mendes, que foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Rosa Weber (agora aposentada) e Cármen Lúcia. Dias Toffoli complementou seu voto nesta terça-feira, afirmando que votou pela descriminalização do porte de maconha, mas considerando constitucional o artigo 28 da Lei de Drogas. Luiz Fux também acompanhou essa posição.

Mendes apresentou seu voto inicial em 2015, baseado no argumento da Defensoria Pública de São Paulo, autora do recurso julgado. A Defensoria argumentou que o artigo 28 da Lei de Drogas é inconstitucional por violar os direitos fundamentais à intimidade e à privacidade. Mendes destacou que a criminalização da posse de drogas para uso pessoal desrespeita a decisão do indivíduo de colocar em risco a própria saúde, um direito protegido pela Constituição.

O ministro Luiz Fux votou contra o recurso extraordinário, defendendo a constitucionalidade do artigo 28 da Lei nº 11.343/2006. Fux argumentou que o artigo, que trata das penalidades para quem “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização”, deveria permanecer sem alteração. Ele não propôs uma quantidade específica de droga que diferenciaria consumo pessoal de tráfico, mantendo a legislação como está. Segundo Fux, a manutenção do artigo é essencial para o combate ao tráfico de drogas e para a segurança pública.

A ministra Cármen Lúcia acompanhou o voto do ministro Edson Fachin, que defendeu o parcial provimento do recurso, declarando a inconstitucionalidade do artigo 28, mas sem redução de texto. Fachin propôs uma interpretação conforme a Constituição, até que o Legislativo intervenha. O ministro André Mendonça reajustou seu voto, alinhando-se ao entendimento do ministro Dias Toffoli em dois aspectos principais: (i) um prazo de 18 meses para que o Legislativo defina a quantidade que separa o consumo pessoal do tráfico, e (ii) a proposição de campanhas educativas sobre os malefícios do uso de drogas. 

Por fim, Alexandre de Moraes apresentou um voto detalhado em agosto de 2023, baseado em um estudo da Associação Brasileira de Jurimetria. O estudo revelou que jovens, negros e analfabetos são frequentemente considerados traficantes, mesmo quando presos com quantidades menores de droga comparado a pessoas brancas, mais velhas e com maior nível de instrução. Moraes destacou a necessidade de critérios claros para evitar a discricionariedade excessiva das autoridades policiais, do Ministério Público e do Judiciário.

CRITÉRIOS DE DIFERENCIAÇÃO: QUANTIDADE DE MACONHA

O STF ainda não estabeleceu a quantidade específica que diferencia uso pessoal de tráfico. A proposta mais apoiada até o momento é a do ministro Alexandre de Moraes, que sugere presumir como usuários aqueles que portam até 60 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas, desde que não haja indícios de tráfico, como a presença de balanças e cadernos de anotações. Esta sugestão foi acompanhada por Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Cármen Lúcia.

Cristiano Zanin propôs um limite de 40 gramas, acompanhado por Nunes Marques, enquanto André Mendonça sugeriu dez gramas, com a validade da medida até o Congresso deliberar sobre o tema dentro de 180 dias. Edson Fachin votou pela necessidade de fixar uma diferenciação objetiva, mas propôs que isso seja feito pelo Legislativo.

A decisão do STF é um passo significativo na política de drogas no Brasil, buscando garantir um tratamento mais justo e igualitário para os usuários de drogas. No entanto, a definição precisa da quantidade que separa usuários de traficantes ainda está pendente, e a proclamação do resultado deverá ocorrer na sessão de 26 de junho de 2024.

CONCLUSÃO

A descriminalização do porte de maconha para consumo próprio pelo STF representa um marco na justiça brasileira, refletindo um esforço para tratar os usuários de drogas com mais equidade e respeitando seus direitos fundamentais. A decisão estabelece novos parâmetros para a aplicação da Lei de Drogas, com a expectativa de que o Legislativo defina as quantidades específicas que diferenciam uso pessoal de tráfico.

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